António de Oliveira Nunes é cirurgião plástico, especialista em cirurgia estética e reconstrutiva.
Uma especialidade até há pouco tempo inexistente no Hospital de Angra, mas que é assegurada pelo médico, através de contrato de serviços efectuado com a instituição.
A oportunidade surgiu há cerca de 3 anos aquando de uma deslocação à ilha, onde viveu durante nove anos, desta feita à conta de outra paixão, a de artista plástico, no âmbito de uma exposição de pintura organizada pela Câmara Municipal de Angra.
Nessa altura contactou a administração para “averiguar as necessidades” da população a esse nível e do contacto surgiu a oportunidade que só se viria a concretizar há cerca de “ano e meio”.
Tempo suficiente para balanços e para sabermos qual a efectiva procura de uma especialidade tantas vezes visionada apenas na perspectiva estética. O especialista fala dessa vertente mas acima de tudo das virtualidades da cirurgia plástica reconstrutiva que, com a sua “arte de costureiro”, como lhe chama, muda literalmente vidas de pessoas, quer na forma como as próprias, mas também os outros, as perspectivam.
É que através da “arte de costureiro” remendam-se corpos mas também a parte psicológica dos pacientes. António de Oliveira Nunes fala-nos dessa experiência, bem como de outra, mais recente, iniciada no corrente mês, ao nível da privada, para dar resposta a outras solicitações, essas do foro estético. É que, garante o profissional, “cada vez mais a imagem conta e muito”.
a União (aU)- Quando se fala em cirurgia plástica a primeira impressão que as pessoas têm é de que se trata de um luxo. Uma ideia veiculada pelo cinema, pelas telenovelas... é uma falsa ideia?
António de Oliveira Nunes (AON) - Pois, a cirurgia plástica é um pouco apanágio de Hollywood e há a ideia de que é algo elitista, quer em termos de escolha quer em termos de disponibilidade financeira. É uma ideia falsa, cada vez mais desmistificada.
Um dos equívocos que contribui para a tal ideia de luxo a ela associada tem a ver com o facto de se associar a especialidade apenas à sua vertente estética. Ora um cirurgião plástico tem, essencialmente, uma formação médica, cirúrgica, com um componente ao nível hospitalar muito marcado, essencialmente na área da reconstrução, da traumatologia, da oncologia, da micro-cirurgia e de reconstrução de queimados ou vítimas de acidentes de trabalho.
aU- Então há uma separação nítida entre cirurgia plástica estética e cirurgia plástica reconstrutiva?
AON - São diferentes e, desde logo, essa diferenciação está directamente relacionada com o âmbito e o sistema de trabalho: se é estatal, ou se é privado. Nos hospitais estatais o trabalho dos cirurgiões plásticos é essencialmente um trabalho reconstrutivo.
Já a cirurgia estética está intimamente associada ao sector privado. São abordagens diferentes para necessidades diferentes. Claro que as situações não são assim tão estanques, ou seja no trabalho reconstrutivo deve também haver sempre uma preocupação estética equilibrada. Se eu estiver a proceder, por exemplo, à reconstrução de uma mão, atendo sempre à pessoa em causa.
A primeira preocupação prende-se, naturalmente, com a reconstituição da funcionalidade mas é evidente que tenho em conta que a mão é um elo de contacto directo que temos uns com os outros e, portanto, vou ter cuidados ao nível da qualidade da pele de excerto, bem como da cor e da textura.
Se se tratar de uma senhora, por exemplo, vou ter a preocupação de procurar uma pele com mais qualidade, que não tenha, neste caso, pêlos. Portanto a noção de estética também é importante e não pode ser esquecida.
aU- Ou seja a cirurgia plástica ainda que reconstrutiva tem sempre um aspecto estético. O cirurgião plástico é, portanto, também um esteta, é assim?
AON- Vou tentar responder com a noção que tenho, em relação ao que sinto e como eu me considero: o ideal é o cirurgião plástico não ser apenas um técnico com um arsenal de conhecimentos, mas ter também essa perspectiva de esteta que o leva a ponderar a melhor forma de aplicar os conceitos, nem sempre, por isso, com o recurso às mesmas soluções, mas estudar caso a caso, como único, visando sempre o equilíbrio e nesse equilíbrio o conceito de beleza também entra.
aU- É o artista plástico também a falar ou é apanágio da especialidade?
AON- Sinto-me beneficiado em ter uma ocupação paralela que só pode beneficiar a minha actividade, nessa tal perspectiva de equilíbrio de que falei. É evidente que me ajuda até no sentido de que me distancia um pouco mais do técnico que só aplica os conceitos standard, padronizados.
aU- Há algum caso que o tenha marcado mais?
AON- Muitos, quase todos são marcantes e todos são gratificantes, quer ao nível funcional quer mesmo ao nível estético. Uma jovem com 23 anos que use um soutiã nº 48, por exemplo, beneficia de uma intervenção cirúrgica a mais de um nível: a nível funcional porque passa a respirar melhor, devido à diminuição do peso que faz compressão ao nível do tórax, beneficia ao nível da coluna, mas também beneficia a nível social e psicológico, porque a forma como ela se vê a si própria e a forma como os outros a vêem vai ser alterada.
Mas os exemplos são muitos, alguns dramáticos ao nível da reconstrução de queimados, de vítimas de acidentes de trabalho, de pessoas com deficiências genéticas. São sempre intervenções que mudam a vida das pessoas.
aU- Ao nível da cirurgia estética os problemas não são tão graves, mas nota-se um incremento da procura da cirurgia plástica em termos gerais. Temos também entre nós casos como o da Cher que operou quase tudo?
AON (a sorrir) - Nem tanto. A Cher faz parte de uma sociedade e particularmente de um meio muito diferente, mais competitivo e exigente. Se a Cher não tivesse feito as intervenções que fez provavelmente estaria agora a gerir um asilo para actrizes reformadas.
Mas se ainda não temos nehuma Cher, temos primas da Cher, já que em Portugal os conceitos de moda, sociais e de imagem, nomeadamente ao nível da sua repercussão em termos competitivos, têm-se alterado e muito.
Neste âmbito começa até a haver já alguma preocupação em tentar controlar a paranóia da cirurgia plástica, para que não se torne um vício em que a pessoa está tão insatisfeita que está constantemente a tentar modificar-se a si própria.
aU- Como se lida com esse tipo de situações? Há algum psicólogo que ajuda no processo ou o cirurgião plástico acaba por actuar também como psicólogo?
AON- O ideal é trabalhar numa equipa multidisciplinar que avalie todos os cenários. Actualmente nos hospitais isso já existe. A nível de privada se eu entender que tal avaliação ou apoio são necessários posso encaminhar um paciente para um psicólogo, no entanto devo referir que a mentalidade portuguesa ainda não está preparada para aceitar isso, ainda há preconceitos nesta matéria. Respondendo à sua pergunta, muitas vezes, acabamos por ser também um pouco psicólogos. Explicar a uma paciente que uma lipoaspiração, por si só, não muda a sua vida, é importante.
aU – Por si só, talvez não, mas, no entanto, é notória a crescente importância que a sociedade dá à imagem... Estamos a tornar-nos implacáveis a esse nível?
AON- É verdade, já se nota isso. Hoje em dia cresce-se não tentando ser iguais ao pai e à mãe, mas tentando igualar os padrões de imagem que nos são vendidos. Levados ao extremo são critérios distorcidos que causam muito sofrimento.
aU – Ao nível local, nomeadamente ao nível do hospital de Angra, a maioria dos casos refere-se a que tipo de intervenções?
AON- Como é evidente nesse âmbito não há lugar para cirurgia plástica estritamente estética, dá-se, sim, resposta a problemas hospitalares: escariados, que são vítimas da sua imobilidade que provoca nos tecidos feridas a que chamamos escaras, situações de traumatismo e acidentes de trabalho, oncologia, problemas de queimados, etc..
Há por exemplo doenças de carácter hereditário, com características genéticas, com grande incidência nos Açores como a doença de Duphytran, que provoca uma retracção palmar, ficando os dedos impossibilitados de fazer a extensão completa e as mãos acabam por se assemelhar a garras. Este é um exemplo de cruzamento interdisciplinar, em que a cirurgia plástica dá resposta.
aU – O facto de agora também dar consultas a nível da privada prende-se com outro tipo de necessidades, que não as hospitalares, que têm surgido?
AON- Exactamente. Desta forma posso desempenhar as minhas funções, atendendo aos vários níveis de necessidades: o que é hospitalar circunscreve-se ao Hospital, o que é do foro estético trato ao nível da privada.
aU – Então também já há mercado na ilha para essas preocupações exclusivamente estéticas?
AON- Sem dúvida. Há procura para lipoaspirações, para peelings ao nível do rejuvenescimento da pele, e outro tipo de intervenções para as quais foi preciso dar este tipo de resposta já que é inconcebível a nível hospitalar.
Já há a noção do que está disponível, nesta área, para melhoria da imagem; as pessoas estão informadas e já estão disponíveis para investirem em si mesmas. Se é verdade que à pouco sublinhava que é preciso alertar que a cirurgia plástica não é resposta para todos os problemas também é verdade que, em muitas casos, dão a solução para problemas que causam infelicidade e insegurança às pessoas.
aU – Na privada qual é então a grande procura ao nível de intervenções plásticas?
AON- Ao nível do contorno corporal. De facto a mulher açoriana, como de resto a mulher portuguesa, tem tendência para acumular massa adiposa ao nível das coxas, dos flancos e da barriga. Existe também uma grande predominância de jovens com mamas hipertróficas e mesmo com gigantismo mamário.
aU – Esses últimos casos que têm, objectivamente repercussões ao nível da saúde geral, não são do foro hospitalar? Como se distinguem essas situações?
AON- Depende das outras situações hospitalares que podem ser prioritárias. No hospital, nesse âmbito de intervenção, a prioridade vai para a reconstrução mamária de situações pós masctetomizadas, até pelo sofrimento envolvido.
aU – Não estando permanentemente na ilha como é que os seus pacientes são seguidos?
AON- Tenho o privilégio de estar a trabalhar com uma equipa que me dá total apoio, o hospital tem gente muito competente, que acompanha o pós-operatório e que me avisa em caso de qualquer complicação em cujo caso me desloco até cá.
aU – Para finalizarmos a nossa entrevista, em termos de custos para a Região, o que significa ter um contrato deste género?
AON- Poupa-se custos a mais de um nível, e não me refiro apenas ao económico. Eu vivi cá nove anos e sei bem o quanto custa a muitos açorianos terem de sair de cá, do seu ambiente, onde têm todo o apoio emocional e terem de se deslocar até ao continente por questões de saúde. Muitas vezes o processo implica várias consultas e exames até à intervenção, com várias deslocações de permeio, para além do pós-operatório que muitas vezes obriga o paciente e o acompanhante a ficarem fora da ilha durante muito tempo.
Há muito desgaste emocional em todo o processo.
Em termos de custos a nível financeiro parece-me óbvio que um médico deslocar-se cá ou os vários pacientes e acompanhantes deslocarem-se ao continente implica custos muito diferentes, nomeadamente ao nível de viagens e estadias.
Mesmo quando me deparo com um caso em que é necessária uma equipa de mais cirurgiões plásticos eu consigo preparo o doente cá de tal forma que consigo tornar muito mais confortável a sua deslocação a Lisboa, já com tudo preparado, calendarizado e com os exames feitos, o que diminui substancialmente o tempo de estadia numa zona estranha à de residência.
Fonte : Jornal "A União", Terceira, Açores - AzoresGlobal.com
Sem comentários:
Enviar um comentário
Fale connosco